quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Donato recompensou quadrilha com cargos na gestão Haddad, diz fiscal


Em depoimento ao Ministério Público Estadual, o auditor Eduardo Horle Barcellos disse que tanto seu cargo quanto o de Ronilson Rodrigues foram garantidos após mesada em campanha; ele, porém, nega que o ex-chefe de Governo sabia a procedência do dinheiro


14 de novembro de 2013 | 2h 06

  • Artur Rodrigues, Bruno Ribeiro, Fabio Leite e Diego Zanchetta - O Estado de S.Paulo
O auditor Eduardo Horle Barcellos afirmou, em depoimento ao Ministério Público Estadual (MPE), que tanto sua permanência quanto a do fiscal Ronilson Bezerra Rodrigues na gestão Fernando Haddad (PT) foram uma recompensa pelas remessas de dinheiro feitas ao então vereador Antonio Donato, ex-secretário de Governo. Ele também afirmou que Rodrigues fazia pagamentos ao vereador Aurélio Miguel (PR).

Após o depoimento prestado anteontem por Barcellos, o promotor Roberto Bodini pretende ouvir Donato no decorrer das investigações, mas ainda sem data definida. Ele quer ouvir também o secretário de Finanças da gestão Gilberto Kassab (PSD), Mauro Ricardo, que era chefe dos fiscais que operavam o esquema de recebimento de propinas, a quem Bodini chamou de, "no mínimo, omisso", por não investigar o grupo.
"Ele (Barcellos) fala que essa (permanência no governo) era a intenção dele em colaborar com a campanha. Fala que, colaborando, poderia pedir um favor em um eventual governo. E qual era o favor? Era ser designado para um local da escolha dele. Eles escolheram os cargos. Ele queria sair da arrecadação, depois pediu para ir para a isenção de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) para aposentados", afirmou Bodini.
Rodrigues assumiu a direção de Finanças da São Paulo Transporte (SPTrans), empresa da Prefeitura que gerencia o Bilhete Único, movimentando R$ 6 milhões por dia.
Barcellos, no entanto, afirmou que Donato não tinha ciência da origem do dinheiro que recebia. "Ele nega categoricamente que o Donato tinha ciência do esquema, nega que foi passado para o Donato que aquele dinheiro vinha da propina", disse Bodini. "Esse pagamento aconteceu no mesmo período da investigação. Pode ser doação de campanha? Pode. Mas, em face da coincidência, terei de inquiri-lo", afirmou o promotor.
O ex-secretário de Governo será ouvido na condição de testemunha e, "por enquanto", Bodini não quebrará seus sigilos.
Omissão. Sobre Mauro Ricardo, Barcellos disse também que apenas Rodrigues tinha acesso direto ao ex-secretário. O auditor ouvido também negou saber se Kassab pudesse ter alguma ligação com o caso. "Se nem com o secretário tinha contato, quem dirá com o prefeito", disse o promotor.
Segundo Bodini, é um "escândalo" a quantidade de envelopes de dinheiro que circulava na Secretaria de Finanças na gestão de Mauro Ricardo. O ex-secretário recomendou o arquivamento de uma investigação contra a quadrilha dois dias antes de deixar o cargo, em dezembro passado - sugestão seguida pela atual gestão, que depois abriu outra investigação.
Ricardo disse que está com a "consciência tranquila". "Ele (Bodini) está investigando há sete meses e declarou que não encontrou nenhuma relação dessas pessoas comigo. Se tivesse encontrado, já teria sido noticiado", disse. Ele afirmou que prestará esclarecimentos à Prefeitura e ao MP se for chamado.
Donato afirmou, por meio de sua assessoria, que não recebeu dinheiro e que colabora com as investigações. Ele também disse que já prestou depoimento voluntariamente à Controladoria-Geral do Município.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Fiscais cobravam propina na prefeitura de SP desde 2002, afirma investigado

Josias de Souza
Foto: Ag. CNJ
Foto: Ag. CNJ
Em gravação feita no primeiro semestre de 2013, o auditor fiscal Luís Alexandre Cardoso de Magalhães afirma que começou em 2002 o esquema de cobrança de propinas flagrado na prefeitura de São Paulo. Ele é um dos fiscais encrencados na investigação. Ficou preso durante cinco. Firmou um acordo de colaboração com o Ministério Público. E deixou a cadeia há uma semana. O audio da gravação soou na noite deste domingo (10) em reportagem exibida pelo programa Fantástico, da TV Globo. Luís Eduardo diz a dois de seus comparsas que fez uma escrituração das fraudes. Coisa minuciosa. “Tem o número, contribuinte, tudo bonitinho. Só que eu tenho isso desde 2002.” Realça que as mordidas da quadrilha não se restringiram ao ISS. “Vai entrar o IPTU também. Vai todo mundo!” Até aqui, imaginava-se que a quadrilha começara a agir em 2006. Confirmando-se o teor da fita, a máfia terá atuado em quatro administrações. Em 2002, governava a cidade de São Paulo o PT. A prefeita era Marta Suplicy. Fernando Haddad era chefe de gabinete da secretaria municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico. Deixou o posto no 2003. Sobrevieram José Serra (PSDB), que governou a cidade de janeiro de 2005 a março de 2006; e Gilberto Kassab (ex-DEM, hoje PSD), que ocupou a cadeira de prefeito por seis anos, até 2012. Inaugurada em janeiro de 2013, a gestão Haddad (PT) conviveu com as fraudes por quase dez meses. Foi o próprio Luís Alexandre quem fez a gravação, apreendida pela polícia no período em que ele esteve preso. O fiscal gravou uma conversa com os parceiros de quadrilha Carlos Di Lallo e Ronilson Bezerra. Deu-se num bar do bairro paulistano do Tatuapé. Luís Alexandre estava abespinhado. Descobrira que a quadrilha estava sob investigação e que Ronilson, apontado como chefe do esquema, ficara de fora. Por isso fez a gravação. O áudio vazou em ritmo de conta-gotas. O primeiro trecho viera à luz na semana passada. Nesse pedaço, o fiscal soa como se ameaçasse Ronilson. Luís Alexandre: Eu, o Lalllo e o [Eduardo] Barcellos não vamos pagar o pato nessa porra toda. Eu te dei muito dinheiro. Te dei muito dinheiro. Ronilson: Você sabe por que que você me deu dinheiro? Você sabe por quê? Porque eu te deixei lá. Luís Alexandre: Isso. Estão está todo mundo junto. Ninguém vai mexer no meu patrimônio, tá? Porque ser bandido também é difícil e eu vou preservar o meu emprego. Ronilson: Nós temos que padronizar o discurso. Os novos trechos da gravação revelaram que Luís Alexandre apimentou as ameaças. A certa altura, ele e Carlos Di Lallo recordam a Ronilson que o grupo não mordera apenas a arrecadação do ISS, mas também a do IPTU. Como que antevendo o acordo que firmaria com o Ministério Público, Luís Alexandre deixa claro que, desmascarado, revelaria tudo. Carlos Di Lallo: Todos esses anos, nós levamos dinheiro, quem pagou o pato? Luís Alexandre: O Habite-se! Carlos Di Lallo: O Habite-se! Não pegaram o IPTU. O IPTU não pegaram. Luís Alexandre: Mas eu faço pegar! Eu faço pegar! A gente fez um monte de coisa no IPTU. Foi nesse ponto que Luís Alexandre revelou ter feito uma escrituração do roubo iniciado em 2002. Manteve o timbre de ameaça: “Vocês não queriam relatório igual empresa? Não tinha que fazer um relatório, mostrar? Relatório! Tem o número, contribuinte, tudo bonitinho. Só que eu tenho isso desde 2002. Então, tem que citar só o ISS? Vai entrar o IPTU também. Vai todo mundo!” Ao longo da conversa, Luís Alexandre citou o nome de outro auditor fiscal: Leonardo Leal Dias da Silva. Vem a ser o diretor do Departamento de Arrecadação e Cobrança. Ele sabia da investigação que havia sido aberta na Controladoria da prefeitura. Chamando-o de Léo, Luís Alexandre dá a entender que recebeu dele informações sobre a trovoada que estava por cair: “Léo falou para mim: ‘Ó, é melhor você coordenar o teu imposto de renda, tudo bonitinho, que o cara vai vir pra cima de vocês. Não tenho dúvida’!” Encostado contra a parede, Ronilson refuta a suspeita dos colegas de que ele teria sido excluído das investigações por dedurado o esquema. Para afastar as dúvidas, diz que chamará outros quatro personagens: Eduardo Barcellos, fiscal que também passou pela prisão na semana passada; o próprio Leonardo Leal; Douglas Amato, atual subsecretário de Finanças da prefeitura; e o petista Antonio Donato, secretário de Governo da gestão Fernando Haddad. “Nós vamos trazer Barcellos”, diz Ronilson na gravação. “E nós vamos trazer o Léo junto. Léo e o Douglas aqui. E vamos trazer Donato também. Eu tô com vocês, onde vocês quiserem. Pra provar essa porra toda.” Procurada, a prefeitura manifestou-se por meio de nota. Informou que Leonardo Leal foi afastado da diretoria do Departamento de Arrecadação na última sexta-feira. Quanto a Douglas Amato e Antonio Donato, a prefeitura considera que não há indícios do envolvimento deles no esquema de desvios. Informou-se, de resto, que a Controladoria abriu uma investigação sobre as fraudes no IPTU.