Os prejuízos causados pelas chuvas em São Paulo vêm sendo tratados pelos meios de comunicação como uma mera fatalidade, fruto de uma excepcionalidade da natureza. Em artigo escrito em 1995, o professor Ladislau Dowbor já alertava que não era mais possível dizer, a cada ano, que se tratava das maiores chuvas da história, de um fenômeno excepcional. "Na realidade, a enchente tornou-se uma companheira permanente da cidade por uma simples razão de formas de urbanização", escreveu Dowbor.
Ladislau Dowbor
Artigo publicado originalmente em 23 de março de 1995 no jornal O Estado de São Paulo.
Não é mais possível dizer, a cada ano, que se trata das maiores chuvas da história, de fenômeno “excepcional”. Na realidade, a enchente tornou-se uma companheira permanente da cidade por uma simples razão de formas de urbanização.
São Paulo representa hoje uma mancha urbana da ordem de 1.500 quilômetros quadrados, cerca de 30 por 50 quilômetros. Isso significa que, com 100 milímetros de chuva, buscam saída 150 milhões de toneladas de água.
A principal forma de escoamento consiste na simples infiltração da água no solo, aproveitando a sua permeabilidade, particularmente nas várzeas, que atuam como grandes esponjas. Acontece que, com a crescente camada de asfalto e cimento, cerca de dois terços da cidade estão impermeabilizados. Por outro lado, a ausência de cobertura vegetal e a concentração de construções aumentam a temperatura em até 10 graus em certas regiões da Cidade, favorecendo chuvas torrenciais e liquidando os bons tempos da garoa.
As empresas de loteamento destroem regularmente a cobertura vegetal, reduzindo também a filtração da água para dentro do solo. E as empreiteiras e especuladores imobiliários liquidam as várzeas.
Em outros termos, construímos na Cidade um gigantesco tobogã de água e nos espantamos que mesmo chuvas médias provoquem enchentes.
O fenônemo é, por sua vez, agravado pelas formas como é enfrentado. Cada bairro sujeito a enchentes batalha a canalização do seu córrego e, de bairro em bairro, provocamos a chegada mais rápida da água às partes baixas da Cidade. Só que nas partes baixas o efeito é cada vez mais dramático, pois uma massa cada vez maior de água chega mais rapidamente. O tobogã aumentou.
A primeira conclusão é, portanto, bastante simples: em vez de políticas em fatias, ou clientelísticas, precisamos é de um plano. E em vez de simples canalizações que aceleram o fluxo da água, precisamos proteger as várzeas, recuperar a permeabilidade do solo e melhorar a retenção de água nas areas intermediárias.
Os exemplos são inúmeros. Na Suíca, para cada 100 metros quadrados construídos é preciso reservar determinada superfície verde e permeável. A cidade de Londrina está transformando suas bacias em parques, gramando as beiras de córregos, plantando árvores e multiplicando espaços de lazer. Outras cidades estão rearborizando loteamentos e encostas das bacias, para reter a água e reduzir o assoreamento.
No nosso caso, não resolvemos o problema dos córregos, entulhados e assoerados, e aumentamos o problema do Tietê. Na realidade, a equação em que, em permanência, trabalham de um lado os caminhões e as dragas, e de outro, chegam regularmente a terra carregada pelos córregos e os detritos dos paulistano é o sonho de qualquer empresa de desassoreamento. É um fluxo de centenas de milhões de dólares.
O problema no seu conjunto é parecido com o dos carros em São Paulo. Como não há mais espaço para escoamento, abrem-se mais avenidas, o que leva a mais carros. Constatando-se que as avenidas não bastam, fazem-se elevados e túneis, que permitem que os carros chegem muito mais rapidamente a outros gargalos mais intensos. O problema do trânsito, evidentemente, exige que paremos um pouco para pensar e trabalhemos mais a concepção do metrô e outras formas de transporte coletivo, porque abrir mais espaço para carros apenas desloca o problema, não o resolve.
No nosso drama da água, agora que o sol parece começar a enxugar as nossas lamentações, ao menos até o ano que vem, seria igualmente melhor trabalharmos a compreensão estrutural do problema, resgatarmos a prática do planejamento. E, sobretudo, precisamos parar de pensar que a urbanização seja uma questão de obras, de asfalto e concreto.
Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Varsóvia, professor titular da PUC-SP.
Fotos: Lucas Duarte de Souza
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